No ventre de minha mãe, da terra de tudo que ela comia, da água daquele rio que ela bebia, do ar que respirava e do calor do sol que aquecia, no organismo os elementos se transformavam, em perfeita fusão fui forjado como filho desta terra.
Na emancipação do parto conheci o mundo que me aguardava. Aprendi a caminhar sobre as areias do barraco e a me equilibrar sobre as canoas no balançar das ondas. Cresci na beira do rio, ribeirinho, filho de pescadores.
Acolhido pelas águas e por ela guiado, fui aprendendo o significado de ser pantaneiro. O rio sempre flui, por isso é preciso sempre seguir. Há tempos de seca, e as dificuldades são inerentes da vida, mas a cheia sempre vem, é preciso esperar e agradecer.
Nas noites estreladas de junho, meu povo se unia, em cânticos e festas desciam de todos os cantos com teus santos, para serem então banhados na beira do rio. Na praia o tambor tocava, e ali nos corpos estremecidos se apresentavam, como os ancestrais que um dia estiveram em vida, e assim minha fé foi construída.
Aprendi a respeitar a natureza, porque dela também sou cria. Ouvir o tocar do berrante e saber que viria a comitiva, pescar quando se precisava de comida e a respeitar quando os peixes o rio subiam, porque era o ciclo da vida que se repetia.
Fui educado entre os pássaros, as cobras e o coaxar dos sapos. A contemplar as belezas das tuas planícies, dos pés de acuri serpenteados de baunilhas, dos ipês que sempre floriam. A respeitar a fera quando esturrava, como a onça pintada e beber destas águas turvadas, quando a sede batia.
Não posso negar minha origem e nem pretendo, minha força ergue – se da terra como as piúvas no campo, impondo tua força, mas florindo, demonstrando que também possui suas graças. Minhas raízes tão profundas quanto o jatobazeiro, toca o solo, lembrando que é preciso ter pé no cão, mas tuas copas crescem, sem esquecer que é preciso guiar – se pelo que está no céu.
Meu corpo nada mais é do que o Pantanal em seus elementos remontados, minha alma uma fração da vida desta planície, meu caminho um ciclo destas águas. O ar destas matas, sopra-se da minha boca para dizer o que carrego neste peito.
O orgulho de ser pantaneiro.